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ENTREVISTA: Políticas de desenvolvimento regional para o Nordeste são tema de tese de doutorado da UFSCar
31 de Maio de 2016
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Apresentada em 2015, a tese de Doutorado em Ciência Política "Dimensões do Desenvolvimento do Complexo Industrial Portuário de Suape: Política Econômica e Política Social", de Rafael Gonçalves Gumiero, com orientação da professora doutora Vera Alves Cêpeda, do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), teve como fontes de pesquisa os planos diretores da Sudene e o acervo do Conselho Deliberativo da autarquia, disponibilizado pelo Procondel. A dissertação de mestrado de Rafael, "Diálogo das Teses do Subdesenvolvimento de Rostow, Nurkse e Myrdal com a Teoria do Desenvolvimento de Celso Furtado", também orientada por Vera Cêpeda, foi financiada pelo Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento. De acordo com Vera, a escolha do tema da tese foi uma progressão natural da pesquisa: "Por ele ter estudado a obra de Furtado, fiz uma provocação: e qual é a política de desenvolvimento regional do Brasil nos dias de hoje?", explica a professora, que participou como articulista do livro "Nordeste Brasileiro em Questão: uma Agenda para Reflexão", editado pela Sudene.

Confira a entrevista realizada com Rafael, atualmente bolsista de Pós Doutorado do Programa de Pós Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Grande Dourados. A tese está disponível na íntegra na seção Publicações do site do Procondel.

PROCONDEL SUDENE: Qual é o tema do trabalho?

RAFAEL: A ideia inicial era investigar se, na atualidade, estava em curso alguma política de desenvolvimento regional do governo federal para o Nordeste. Por conta disso, eu cheguei até a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) e procurei descobrir quais eram suas diretrizes. Porém, com a não aprovação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, nós tínhamos de um lado um discurso institucional, que trabalhava com uma ideia de desenvolvimento que aglutinava crescimento econômico e inclusão social a partir das demandas de cada território e, do outro, a falta de viabilidade de sua implantação, tornando a PNDR apenas uma política em potencial. A partir daí, eu procurei analisar em outros programas do governo federal quais eram as estratégias de desenvolvimento regional. Inicialmente, eu fiz uma busca histórica, no sentido de retomar a trajetória das políticas de desenvolvimento regional para o Nordeste. Retornei aos primeiros planos diretores da Sudene, à Operação Nordeste e tentei delinear as principais medidas instituídas pelo governo federal no período militar. Diante desse arcabouço teórico, eu senti que deveria também buscar um objeto empírico. Juntamente com os programas que, a priori, foram formulados para todo o território brasileiro, sem ter essa sensibilidade para o desenvolvimento regional, tais como o PAC, os empréstimos do BNDES e os investimentos do Petrobras, o Complexo Industrial Portuário de Suape (CIPS) surgiu como um grande foco de investimentos públicos. Então, pesquisei a trajetória história do CIPS para tentar investigar quais eram as matrizes iniciais desse projeto. Recorri novamente aos planos institucionais, estudos pioneiros formulados pelo padre Lebret e por Chico de Oliveira na década de 1950, conjuntamente com os planos institucionais do governo de Pernambuco, que foram os primeiros a delinear um planejamento para a instalação de um novo porto no estado. Posteriormente, na década de 1970, surgiu a ideia de um porto que desse conta não só das demandas portuárias, mas também da criação de um parque industrial no seu entorno como uma estratégia de desenvolvimento estadual. Delimitei em diferentes fases o processo de implementação do porto, não só para compreendê-lo enquanto política de desenvolvimento, mas também para fazer um recorte prioritário do período atual (2003-2014).

PROCONDEL SUDENE: Como surgiu a escolha do tema?

RAFAEL: Meu trabalho de pesquisa no mestrado foi sobre o pensamento de Celso Furtado. Ele tem uma trajetória intelectual muito longa, então é muito difícil você dar conta dessa multiplicidade de temas e influências que a obra dele traz. Por conta disso, eu escolhi um recorte, que é a chamada primeira fase intelectual de Celso Furtado, que vai de 1950 a 1964. Fiz uma delimitação das obras que ele produziu durante esse momento, e percebi que, dentro dessas obras, ele dá um destaque muito forte pro problema do subdesenvolvimento do Nordeste. Ele monta todo o raciocínio dele sobre o problema do desenvolvimento do Brasil, e foca, principalmente com a Operação Nordeste e o GTDN, a prioridade de se construir um planejamento regional para o Nordeste. Apesar da minha dissertação não ter como foco o Nordeste, e sim a recepção e a ressignificação de autores internacionais na obra de Celso Furtado, surgiu essa demanda de entender como se dava a questão do Nordeste nos dias atuais. Eu sabia que a Sudene tinha tido um protagonismo muito forte nesse período, por ser uma das primeiras instituições a trabalhar com um enfoque em desenvolvimento regional: não existia essa racionalidade no planejamento para pensar o desenvolvimento de uma região. Porém, com a ascensão do neoliberalismo nos anos 90, há um grande vazio de políticas públicas para o desenvolvimento regional: a ideia de livre mercado ganha importância, e traz consigo o fenômeno da concentração dos investimentos em polos dinâmicos. Daí surge a pergunta: e nos dias atuais, o que vem sendo feito nessa área? Por conta desse trabalho sobre Celso Furtado, surgiu a demanda de querer entender como estão as políticas regionais atualmente.

PROCONDEL SUDENE: A tese constrói um paralelo entre as políticas desenvolvimentistas do meio do século XX e o chamado neodesenvolvimentismo dos anos 2000. Quais são as semelhanças e diferenças entre esses dois modelos?

RAFAEL: A ideologia desenvolvimentista é uma particularidade da América Latina. A Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) das Nações Unidas tem um protagonismo muito forte por trazer recursos metodológicos para pensar o desenvolvimento a partir da periferia e instituir também uma nova forma de pensamento que vai de encontro à teoria liberal clássica hegemônica. Apesar de alguns teóricos afirmarem que esta ideologia já vinha sendo construída no Brasil, a partir de Roberto Simonsen e até mesmo do governo Vargas, é na Cepal que se dá de fato a construção de uma teoria, que é própria da América Latina, para pensar o desenvolvimento. De acordo com o professor Ricardo Bielchowsky, existe uma grande variedade de "desenvolvimentismos": o nacionalista, o do setor público, o do setor privado... Mas os princípios básicos do desenvolvimentismo são formular um ideário industrial e focar a racionalidade para o planejamento. Ao trazer isso para a prática, há uma inversão de modelo: nós tínhamos um modelo que era o da vocação agrária, pela qual o país deveria se desenvolver por meio das monoculturas; a partir dessa racionalidade de planejamento industrial, esse modelo é invertido pra criar não só autonomia, mas também degraus pra que possamos subir a escada do desenvolvimento. A ideologia desenvolvimentista chega ao seu período áureo nos anos 1950 e início dos anos 1960, quando essas políticas são aplicadas, saindo da teoria para os planos institucionais dos governos, que são baseados principalmente na construção de uma autonomia por meio da criação de uma base industrial focada na substituição de importações. De fato, essas políticas são implementadas até certa medida, mas elas atingem um teto. Não basta apenas substituir importações, mas também criar inovação tecnológica, e o país não consegue alcançar esse ponto. Além de construir a indústria de base, era necessário também realizar reformas, e o plano que trazia isso como prioridade é o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social elaborado por Celso Furtado no governo João Goulart. Ele focava não só na produtividade, mas também nos avanços em questões sociais. O plano previa a reforma agrária, programas habitacionais, de saúde e de educação enquanto qualificação de mão-de-obra, trazendo para a agenda do governo federal essas questões sociais, que até então não eram vistas com centralidade. Trazendo a discussão para os dias atuais, as políticas do denominado novo desenvolvimentismo, que aparecem a partir dos anos 2000, trazem consigo uma agenda muito pesada: são demandas dos movimentos sociais, do movimento negro, dos movimentos de gênero... Ou seja, ele tem que enfrentar uma agenda que não é só de redistribuição de renda, mas também de reconhecimentos identitários. O novo desenvolvimentismo surge dessas demandas, sem, ao mesmo tempo, se descolar da agenda do desenvolvimento econômico. Então, a estratégia do governo federal foi priorizar o binômio crescimento econômico - através de programas como o PAC, dos investimentos da Petrobras e dos recursos do BNDES - e inclusão social - por meio, principalmente, do Bolsa Família (que apesar de ser um programa de redistribuição de renda tem um enfoque também simbólico), da expansão das universidades federais, dos investimentos no ensino técnico e da priorização do reconhecimento identitário, a partir de secretarias como das Mulheres e da Igualdade Racial. Esse "novo desenvolvimentismo" traz consigo a ideia de que é possível promover crescimento econômico com inclusão social e empoderamento do indivíduo, trazendo essas inovações para o repertório da agenda governamental. Então, a principal diferença entre o desenvolvimentismo clássico e o neodesenvolvimentismo é o protagonismo da inclusão social.

PROCONDEL SUDENE: E como isso se reflete no Porto de Suape?

RAFAEL: A linha temporal da implementação do Complexo Industrial do Porto de Suape acompanha as diferentes fases das políticas de desenvolvimento regional. Essas políticas tinham inicialmente como foco a criação de nichos de produtividade em locais onde havia pouca atividade econômica. O porto tem essa prioridade a princípio, nas décadas de 1970 e 1980. A partir dos anos 2000, são implementadas pelo governo federal políticas públicas que visam o crescimento econômico com inclusão social. Daí, é possível deduzir que o mesmo irá acontecer com o porto. No entanto, o que eu verifiquei ao longo da produção da tese é que, em grande medida, o Complexo de Suape recebe muitos investimentos do governo federal para potencializar a dinâmica econômica local, porém as medidas sociais ficam à margem. Eu procurei fazer uma análise discursiva sobre o que o governo federal entendia como política pública social em comparação com o que estava previsto no plano diretor do Complexo Industrial do Porto de Suape, e foi aí que eu percebi uma grande discrepância. Enquanto o governo federal trazia um repertório por meio dos PPAs, o Plano Diretor de Suape tinha como principal política social a relocação dos habitantes. Ou seja, à medida em que o parque industrial era expandido, eram criadas medidas para o remanejamento da população dentro do território estratégico. Por mais que os PPAs do governo federal priorizassem a inclusão social, o plano diretor de Suape tinha como prioridade o crescimento econômico. O foco do investimento é na produtividade, o que nos remete ao desenvolvimentismo clássico, onde as políticas sociais estavam marginalizadas. Isso é demonstrado de forma mais nítica na tese por meio de dados, como, por exemplo, o quadro de salários por profissões. Dentro desse quadro, nota-se que não há um salto de crescimento na massa salarial entre 2009 e 2012, e a maioria dos salários está compreendida entre um salário mínimo e meio e dois salários mínimos, o que faz pressupor que os trabalhadores estão ocupando cargos que exigem menor qualificação técnica. Além disso, o CIPS é composto por oito municípios, e o grande protagonismo nas taxas crescimento do PIB, da renda per capita e da participação no PIB do estado de Pernambuco é dos municípios de Ipojuca e do Cabo de Santo Agostinho. Jaboatão dos Guararapes também recebe uma grande influência mas possui uma dinâmica industrial própria. Ou seja, existe uma grande concentração do crescimento econômico nesses municípios; não há o "espraiamento" para o resto do território. Outro ponto importante nessa discussão é que, quando o Plano Diretor de Suape enfoca a questão da educação, é sempre com um viés de qualificação de mão-de-obra, e não de geração de autonomia e de empoderamento do indivíduo. Em grande medida, isso também retoma a ideia de educação dos anos 1950: o principal objetivo era formar indivíduos para preencher os postos de trabalho. É evidente que nós avançamos desde então, mas como Celso Furtado diz, nossas estruturas sociais, econômicas e políticas permanecem muito rígidas, e é da desarticulação dessas estruturas que depende o salto de desenvolvimento. 

PROCONDEL SUDENE: Como o acervo da Sudene foi utilizado no seu trabalho?

Os planos diretores da Sudene foram o meu ponto de partida para analisar o resgate das políticas institucionais de desenvolvimento para o Nordeste. As atas das reuniões do Conselho Deliberativo disponibilizadas pelo site do Procondel também foram importantes para que eu pudesse entender a dinâmica das negociações e disputas que se davam entre os governadores da região e o governo federal, principalmente no período entre 1959 e 1964. Outro ponto importante foi a digitalização e a disponibilização dos planos diretores de Suape por parte da equipe do Procondel, visto que eles só estão disponíveis na biblioteca da Universidade Federal de Pernambuco, o que permitiu que eu pudesse construir minha análise.

PROCONDEL SUDENE: A partir das pesquisas que você realizou, como você enxerga o papel da Sudene na promoção do desenvolvimento regional do Nordeste?

A Sudene traz um acervo de recursos para o planejamento muito forte. Ela é uma herança do período desenvolvimentista, mas que tem uma grande importância para o período atual. É interessante perceber como a Sudene evolui com as demandas do Nordeste. Primeiro, a Sudene traz a agenda do desenvolvimento regional, compreendendo as particularidades do subdesenvolvimento do Nordeste. Posteriormente, ela se adapta às políticas setoriais implantadas durante o período militar. Eu compreendo que hoje o planejamento econômico para o desenvolvimento está muito atrelado à compreensão do território em diferentes escalas. A Sudene traz essa bagagem de ressignificação enquanto instituição promotora do desenvolvimento regional. O mapa de divisão territorial tradicional do IBGE já não dá conta das particularidades que existem até mesmo dentro de um único estado. A Sudene tem os recursos necessários para intervenção no território por meio da racionalidade no planejamento que permaneceu ao longo das décadas. O mais importante é entender o território não somente como um foco de desenvolvimento, mas também a partir das demandas da população.